A visão de mundo imbuída da carga cultural que cada indivíduo leva consigo, quando
aplicada à organização em bibliotecas, manifesta o gesto bibliográfico e este, influenciado pela
sistematização das ciências e, posteriormente, impelido pelo aumento da produção documental,
impacta a organização da informação. Novidades surgiram na esteira de um novo modus
operandi que migrou da “ordem racional do conhecimento” para a “ordem arbitrária do
alfabeto”. Esse novo recurso trouxe mudança de ponto de vista na perspectiva do tratamento e
uso da informação. Os índices alfabéticos passaram a integrar o arranjo sistemático do catálogo-
códice firmando-o como ferramenta de referência na economia do livro, mesmo depois do
surgimento do catálogo-fichário. Logo, a feitura de um catálogo apresenta um discurso moldado
não apenas por regras e princípios técnicos ou filosóficos, mas, sobretudo, do reflexo do tempo e
espaço em que foi construído e por quem foi planejado. Logo, seguindo o raciocínio de Jacob
(2008, p. 46): “A acumulação pura dos livros deve ser acompanhada de um projeto intelectual,
de uma ordenação, uma ‘sintaxe’”.
Fruto dessa nova dinâmica documental, eis que a Bibliografia assume um papel
fundamental na mediação da informação integrando os estudos da Organização do
Conhecimento e Biblioteconomia. Seu campo de ação vai além da socialização da informação
por meio do seu caráter pós-custodial e incorpora o status de uma “metadisciplina para o
tratamento dos documentos” (CRIPPA, 2015, p. iv). Assim, adquire um caráter tanto descritivo
quanto interpretativo revelando as tensões a que as bibliotecas estão submetidas como esclarece
Verri (2010, p. 38-39):
Uma biblioteca, entretanto, não é “uma instituição que existe em si e por si”, ela se
projeta em dois sentidos, um voltado para sua dimensão interior, num sistema de
comunicação inter-humana e outro voltado para o exterior, como instrumento social e
político do homem. Na inter-relação desses dois sentidos, estabelece-se um jogo político
entre a instituição, os indivíduos e o Estado, o que determina sua integração ou
diferenciação no conjunto de valores comuns que regem historicamente a sociedade.
[...]
Isto significa que a biblioteca constitui-se e serve distintamente a diferentes interesses,
atravessando as classes sociais e tornando-se campo onde se acumulam contradições,
oposições, afirmações, negações, tradições e inovações. Ressalta-se a força dialética que
a biblioteca tem e propicia, permitindo entendê-la como uma instituição que, por meio
de registros informacionais, relaciona-se e é impulsionada pela memória, pelo
desenvolvimento e movimento histórico do homem.
A Bibliografia, portanto, firma uma postura interdisciplinar ao relacionar o objeto-livro em
seus aspectos tanto materiais quanto sociais aos estudos da Organização do Conhecimento, da
Biblioteconomia e da História do Livro. Sua origem é anterior à imprensa, como fica visível nos
estudos de Louise-Noëlle Malclès (1956). Questão vista por Crippa (2015) ao analisar a
organização da informação, a partir de uma obra de referência do século VI de autoria de
Cassiodoro “De Institutione Divinaruam Litterarum”. A consagração do termo é decorrente da
presença dos tipos móveis e da atuação de eruditos como Conrad Gesner (séc. XVI) a quem se
confere a introdução da palavra bibliografia, indicando o sentido de descrição e indicação de
livros. André Araújo (2015, p.120) define Bibliografia enquanto disciplina por meio da:
Produção e difusão de documentos (instrumentos) de registro, organização,
representação, acesso e mediação da cultura escrita, notadamente os inventários,